Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Só mesmo nosso querido Sebe para lembrar que entre coisas o tão rejeitado sapo é capaz de morrer para avisar que ele fora incapaz de despoluir a água que acabara de beber através de sua pele.

Depois que escrevi sobre os sapos, recebi comentários de amigos reclamando detalhes complementares que poderiam enriquecer a reflexão. Foi o suficiente para me ver desafiado a me manifestar mais sobre o tema. Na verdade, uma pequena coleção de detalhes envolvendo a mitologia dos sapos desperta uma curiosidade que também é histórica. Sim os sapos repontam em todas as culturas desde as iconografias hierógrifas até as decorações de catedrais medievais (onde os monstros sempre ficavam do lado de fora). A presença universal dos sapos, por exemplo, me fez lembrar de registros dessas imagens na cultura asteca, inca e maia. Logicamente, o rico ornamentalismo oriental não poderia prescindir dos sapos que em algumas culturas é tido como sagrado.
Com um comentário amigo, alguém informou que existem mais de 3.000 espécies, que o nome científico deles é Bufonidae e que se dividem em salamandras, perereca, rãs, cobras-cegas entre outros.
O Brasil possui 89% das variedades de sapos e isto nos coloca como responsáveis pela manutenção de algumas espécies que estão ameaçadas. Poucos daqueles tipos são venenosos, aliás, estas variedades tornam-se colorida quando estão para morder e assim dão um aviso aos possíveis agressores. Sim, aos agressores, pois naturalmente os sapos não atacam.
No mais, esses anfíbios são de utilidade inestimável, pois, comem insetos perniciosos como o mosquito da dengue, gafanhotos e pernilongos. Talvez a mais importante ajuda dos sapos à natureza esteja na capacidade que têm de despoluir a água contaminada de rios. Os sapos bebem pela pele e ao fazê-lo filtram o lixo químico depositado nos rios. E, finalmente, avisam dos riscos quando morrem por intoxicação.
De toda forma, além das notas científicas, fui lembrado também que os sapos alimentam o vocábulo com expressões no mínimo curiosas. “Sapear a vida alheia” ou “entrar de sapo em festa” sugerem impertinências da vida social nas quais a figura do simpático bicho é tomada como metáfora depreciativa. A expressão “sapo de fora não chia”, sempre usada para isolar pessoas de círculos aos quais não são chamadas, é uma manifestação ambígua porque neutraliza a todos, mostrando que há “sapos de dentro” e alguns excluídos.
Outras tradições convocam à meditação sobre sua positividade. Uma dessas expressões, aliás, sempre me fez pensar “engolir sapos”. “Engolir sapos” como atestado de ter que agüentar tudo é uma forma engraçada de mostrar a capacidade de resistência de quantos a eles se assemelham.
E o medo que os sapos despertam? Talvez pelo pulo indiscreto, pelo mito de que soltam leite peçonhento ou mesmo de que tragam presságios de novidades que podem ser boas ou ruins, eles, ao vivo, são sempre evitados. Não sei bem porque uma tradição africana mostra o sapo como depositário de pragas. O velho costume quimbandeiro de colocar o nome de alguém “na boca do sapo” sempre me amedrontou.
Pensando nisto, acho que toda a mitologia que cerca esta crendice é aterrorizante, pois sua prática consiste também em costurar os lábios do pobre anfíbio. Mas, há um outro vocábulo que também merece consideração: “sapinho”, e este até vale como fecho para esta crônica meio perereca, pois sapinho é atribuído às bactérias que se acumulam nos cantos dos lábios de quem muito beija.
Neste caso, caro leitores, espero que o beijo dado por estas tolas reflexões não deixe marcas outras que não as do encantamento positivo de quem canta os sapos como quem faz uma homenagem à natureza em seus mistérios.


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