A ambigüidade do ministro da Educação poderá comprometer o futuro da Faculdade Comunitária. Muita gente acredita que ela poderá representar um altíssimo risco para os alunos que acreditarem nas enormes vantagens oferecidas por meio de promoções muito parecidas com as que se faz em shoppings e supermercados. Tudo isso com aval e slogan da administração Roberto Peixoto.

Por Paulo de Tarso Venceslau

O início, no mês de março, das atividades da Faculdade Comunitária de Taubaté (FCT) provoca muita polêmica na terra de Lobato. Os que defendem a vinda do pode-roso grupo Anhanguera Educacional alegam que a livre concorrência exigirá da UNITAU a reformulação de suas políticas educacional e administrativa classificadas de extremamente conservadoras e atrasadas. A UNITAU, segundo os defensores da vinda da Anhanguera Educacional, mantenedora da FCT, “só sobrevive por absoluta falta de alternativa para Taubaté e cidades vizinhas”.
Os defensores da Universidade de Taubaté, porém, não só descartam esse argumento como partem para o ataque: “Faculdade Comunitária é uma farsa porque ela tem de preencher os mesmos requisitos das entidades filantrópicas e beneficentes. Como se trata de uma sociedade anônima (S.A.) com fins lucrativos, isso é incompatível com uma Faculdade Comunitária”, afirma o advogado Dorival José Gonçalves Franco, procurador da UNITAU.
Trata-se de um argumento que deverá ser amplamente debatido na Justiça. Um membro do Conselho Federal de Educação, consultado por CONTATO, informa que “existe qualquer consolidação das leis, decretos e portaria. Isso dificulta enormemente a compreensão do problema”. Tudo indica que a Anhanguera encontrou pequenas e quase invisíveis fissuras na legislação vigente para dar início, com tanta convicção, ao seu primeiro ano letivo que se inicia com o vestibular marcado para 12 de março. Outros, mais agressivos, sustentam que por trás estariam interesses menos nobres que envolveriam desde financiamento de campanha até mesmo troca de favores.
Um fato curioso chamou a atenção de nossa reportagem. Trata-se, mais uma vez, de Fernando Gigli Torres, uma figura comum em todos os episódios que envolvem recursos públicos na aquisição de serviços e produtos para a prefeitura. Pode parecer implicância por se tratar do presidente da Comissão Permanente de Licitação e chefe de Gabinete do Prefeito. Ou ainda porque Gigli Torres é homem de confiança de Roberto Peixoto pelo menos desde 2002 quando foi coordenador da sua campanha a deputado estadual.
No caso da Anhanguera Educacional, CONTATO apurou que, atropelando o GEIN – Grupo de Expansão Industrial -, foi ele, Gigli, um dos apresentadores dessa instituição à cúpula do Palácio Bom Conselho. Gigli nega. Admite, porém, que houve a reunião mas, como chefe de Gabinete, ele apenas recebeu a solicitação e agendou a reunião com o prefeito.

Histórias mal contadas
No afã de apontar defeitos compromete-dores no processo que culminou com a instalação dessa unidade da Anhanguera, em Taubaté, autoridades e personalidades ouvidas por CONTATO deixaram-se levar mais pelo coração do que pela razão objetiva. Com medo de se exporem à ira do poder, pedem para que seus nomes sejam preservados.
A história mais cabeluda diz respeito ao acordo que teria ocorrido entre a prefeitura e a Anhanguera ainda no tempo do então prefeito Bernardo Ortiz. A construção do túnel sob os trilhos da antiga Central do Brasil, que liga a Vila das Graças com o centro da cidade, faria parte desse acordo. Interessada em ocupar o espaço onde hoje se encontra, segundo apurou CONTATO, a empresa educacional Anhanguera teria até mesmo bancado a campanha de Roberto Peixoto, em 2004.
A lógica desse argumento se prenderia ao fato de a FCT ser, aparentemente, a maior beneficiada com a obra viária. Essa seria a razão de Bernardo ter demorado tanto tempo para entrar na campanha de 2004 e virar o jogo que parecia ganho por Antônio Mário.
Essa versão não se sustenta diante do cronograma dos fatos. Porém, a investigação realizada por CONTATO revelou mais uma vez a intimidade sistemática do chefe de Gabinete, Fernando Gigli, com imbróglios que envolvem muita, mas muita, verba pública.

História mais real
A Faculdade Comunitária de Taubaté (FCT) ocupa grande parte das instalações da antiga FITEJUTA – Fiação e Tecelagem de Juta Amazônica, às margens da ferrovia Central Brasil, hoje administrada pela MRS Logística. Desde 1998, a Juta, como é mais conhecida, está definitivamente desativada, depois de permanecer fechada por dois anos.
Ainda naquele ano, um ambicioso projeto foi contratado pelos irmãos Mário e Moisés Sabbá, junto ao escritório do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba (PR), Jaime Lerner. A idéia era transformar aquela área em um centro empresarial com um pólo de lazer e entretenimento cercado por torres residenciais.
No finalzinho do segundo mandato de Bernardo Ortiz, foi proposto transformar a área e as instalações da antiga Juta em armazém alfandegado - EADI. No governo de Antônio Mário, diante do risco de não sair, foi doado um terreno, às margens da rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, onde hoje se encontra instalado o EADI.
Os irmãos Sabbá sonhavam em levar o desenvolvimento da cidade para o outro lado do leito da estrada de ferro. Em 2001, apresentaram ao então prefeito Bernardo Ortiz um novo projeto, inclusive do túnel, de autoria do renomado escritório de arquitetura Aflalo e Gasperini. Porém, a aprovação por parte da MRS Logística do projeto do túnel sob a estrada de ferro que viabilizaria o empreendimento só saiu no final de 2004.
O senso de oportunidade de Bernardo Ortiz levou-o a executar, apressadamente, as obras do túnel, o que acarretou um vendaval de críticas pelas falhas técnicas, herança devidamente explorada por Monteclaro César junto à mídia falada, assim que assumiu o departamento de Trânsito, na administração Roberto Peixoto.
O grupo Anhanguera, portanto, só teria procurado a prefeitura no início de 2005, já na gestão Peixoto. Nossas fontes garantem que um dos responsáveis pela apresentação desse grupo ao Executivo teria sido o chefe de gabinete Fernando Gigli.
Formalmente, porém, a apresentação teria sido feita por Antônio Roberto Paolicchi, diretor de Turismo e Meio Ambiente, assuntos que nada têm a ver com desenvolvimento econômico e muito menos com educação. Paolicchi nega, embora o vice Danelli confirme sua presença, e conta que só tomou conhecimento da Anhanguera no final de 2005, em uma reunião de diretores no Parque Itaim. Naquela oportunidade, Peixoto teria comunicado a vinda da Anhanguera. O diretor de Turismo confirma também que Peixoto disse que era favorável porque a nova faculdade atenderia as classes C e D. Geraldo Oliveira, então coordenador do GEIN, conta que sequer foi informado da reunião no início de 2005 para tratar desse assunto. A primeira conclusão é que o caso FCT ficou restrito aos amigos e colaboradores mais próximos de Peixoto.

Antecedentes

Essa história poderia, simplesmente, passar desapercebida. Porém, a semelhança com um fato relativamente recente chama a atenção. Trata-se do Golden Shopping, um empreendimento que nunca se realizou e que se transformou em uma verdadeira arapuca para os poucos que ousaram investir numa operação classificada por muitos como estelionato.
O grupo que representava esse empreendimento foi apresentado ao então prefeito Bernardo Ortiz pelo seu vice, Roberto Peixoto. A campanha para deputado estadual de Roberto Peixoto, em 2002, teria sido, pelo menos em parte, bancada pelos “empresários” do Golden Shopping. A ajuda teria sido concretizada em torno de julho daquele ano.
O tal grupo do Golden Shopping não pagou sequer a terraplenagem feita pela TPlan no terreno doado pela prefeitura e nem mesmo as despesas do coquetel realizado em conhecido hotel para promover o empreendimento e atrair investidores. Na época, o coordenador da campanha de Roberto Peixoto foi Fernando Gigli Torres.
Bingo!!! Isso mesmo. Gigli é aquele que hoje preside a Comissão Permanente de Licitação da prefeitura e assina qualquer papel que Luis Rodolfo Cabral, advogado e diretor do departamento Jurídico, lhe enviar. Gigli é aquele que endossou a decisão de Cabral naquela abortada compra dirigida de asfalto a quente. Gigli é aquele que aprovou a compra de livros pirata sem licitação e recentemente promoveu um estranhíssimo pregão para comprar a bagatela de R$ 33 milhões em apostilas e outros quesitos educacionais.
Gigli mais uma vez nega qualquer envolvimento nesse episódio do Golden Shopping que ele debita na conta de Geraldo Oliveira e Willy Conrado Bohlen, falecido em dezembro de 2004. CONTATO perguntou a Oliveira se o Golden Shopping teria vindo através do GEIN do qual ele era coordenador. “De jeito algum. O grupo veio através de Roberto Peixoto. Desde a primeira vez que os vi (os membros do grupo), percebi que se tratava de um grupo que não inspirava confiança”. Nossa reportagem apurou que foram muitas as pressões de Peixoto e de seu grupo a favor do Golden Shopping. Por mais bem intencionada que seja, a Anhanguera Educacional não poderia ignorar o tortuoso caminho que assumiu percorrer. Um caminho que, quando acrescido por todos os obstáculos já apontados por CONTATO na sua edição anterior, poderá se transformar em pesadelo para os futuros alunos.

 

Riscos visíveis
O leitor mais atento poderá indagar: Se existem, quais são esses tais riscos? Antes, porém, de abordar os mais significativos, é importante ressaltar que CONTATO não tem qualquer objeção à vinda de outras escolas superiores a Taubaté. Muito pelo contrário. Elas serão sempre bem-vindas desde que cumpram os requisitos essenciais exigidos.
Os dois riscos mais visíveis prendem-se às respostas de duas perguntas que ninguém consegue responder: 1) qual a segurança que os alunos da FCT terão durante o curso; e 2) qual a certeza de que receberão um diploma reconhecido pelo Ministério de Educação, assim que concluírem seus cursos?
Semana passada, a Anhanguera respondeu as questões formuladas explicando que o Decreto 2.306/97, que restringia as atividades das chamadas faculdades comunitárias, foi revogado pelo Decreto 3.860/2001. De fato, o artigo 20 da lei 9394 enquadrava no seu inciso II as instituições privadas de ensino comunitárias. Esse inciso foi substituído pela Lei nº 11.183, de 2005, que estabelece nova redação. Desde então, instituições privadas de ensino “comunitárias, (...) são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de pais, professores e alunos, que incluam em sua entidade mantenedora representantes da comunidade”.
Eis aí a fissura legal que permitiu o funcionamento da Faculdade Comunitária Anhanguera. Seu diretor acadêmico afirmou que “a faculdade comunitária não tem personalidade jurídica. Ela funciona com base no seu Regimento Escolar que é aprovado pelo Ministério da Educação”. Essa afirmação encontrou reação imediata por parte do professor e doutor Mário Braguin, assessor jurídico da UNITAU, professor aposentado, ex-assessor do Tribunal de Contas do Estado entre outros títulos. Braguin afirma categoricamente que “personalidade jurídica se forma quando seu registro é feito na Junta Comercial ou no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas”. Membro do CFE ouvido por CONTATO confirma que essa figura existe de fato por causa da profusão de leis, portarias e decretos espalhados. A solução poderia ser a aprovação da proposta para Reforma do Ensino Superior que dorme profundamente em alguma gaveta da burocracia federal.
Essa mesma fonte esclarece que existem pelo menos dois processos que envolvem a FCT. Um que o ministro despachou favoravelmente autoriza o funcionamento da unidade de Taubaté. E outro elaborado pelo próprio Ministério da Educação e que conta com parecer favorável do Conselho Federal de Educação, proíbe a Anhanguera de abrir novas unidades. Esse processo ainda não foi homologado pelo ministro Fernando Haddad, da Educação, que o guardou em alguma de suas gavetas. É aí que reside o maior perigo. Caso o ministro desperte ou o seu substituto resolva tirá-lo da gaveta onde hiberna e homologá-lo, estará aberta a temporada de crise na Anhanguera Educacional que atingirá diretamente a sua Faculdade Comunitária de Taubaté.
A conclusão é que existe formação de cumulus nimbus no horizonte, anunciando muitas chuvas e trovoadas jurídicas a respeito de um assunto que brevemente poderá afetar milhares de alunos que estarão matriculados na FC de Taubaté.
O despertar do ministro Haddad ou a iniciativa de seu sucessor que levem à homologação do parecer do Conselho de Educação poderá lançar a FCT na mesma situação que recentemente enfrentou sua irmã, em Limeira. Naquela ocasião, dando como certa a aprovação de sua unidade naquela cidade, a Anhanguera, só depois de muita pressão, foi obrigada pela Justiça a devolver com correção monetária as mensalidades que havia recebido dos alunos que ali haviam sido matriculados.
Apesar da maciça propaganda global em toda a cidade, trata-se de uma situação extremamente incômoda para quem busca na academia uma forma de galgar degraus que permitam desenvolver com maior rapidez e segurança a carreira profissional de seus sonhos. E, por incrível que pareça, tudo com o aval e o slogan da administração Roberto Peixoto que o leitor poderá conferir nas fotos dessa reportagem. Iniciativa inaceitável por parte do prefeito que deveria ser o primeiro a se engajar na defesa do inestimável patrimônio público que é a UNITAU.


| home |
Jornal CONTATO 2006