CONTATO - Como surgiu o gosto pelas corridas?
Maykel
- Quando tinha 10 anos meu pai comprou um jipe e sempre levava a gente passear por estradas de terra para fazer off-road até que ele começou competir. Gostava muito de ir com ele. Na época, eu era o Zequinha, o cara que vai atrás do jipe. Daí me interessei pela navegação e comecei participar de provas. De uns 13 anos para cá tenho participado de todas as provas que aparecem.

CONTATO - Qual a função do navegador?
Maykel
- Costumamos dizer que o navegador são os olhos do piloto, que não sabe para onde tem que ir, só sabe que tem que dirigir. O navegador orienta todos os caminhos, os perigos e riscos da estrada ao piloto. Nas provas de velocidade a gente conta com equipamentos próprios para competição: computador de bordo com GPS (equipamento que fornece informações via satélite) e hodômetros digitais (instrumento que indica distâncias percorridas) que dão informações sobre quilometragem e velocidade. A direção, o navegador orienta através de uma planilha, um mapa dos lugares que você tem que ir, das dificuldades que vai enfrentar. O navegador tem que passar tudo isso da melhor maneira ao piloto para que ele enxergue o que só eu vejo.

CONTATO - Como foi a transição dos ralis de irregularidade, onde você começou, para provas de velocidade?
Maykel
- No começo foi complicado, só que me adaptei rápido à velocidade. As provas de irregularidade são mais tranqüilas porque você corre em função do tempo. Você tem que cumprir os horários pré-determinados pela organização da prova. Já nas provas de velocidade você corre contra o tempo. Você perde um pouco a noção, as referências [da planilha] chegam muito rápido porque você está a uma velocidade de 150 quilômetros por hora. Estamos sempre no limite e qualquer perigo é sempre um grande perigo. Na irregularidade você consegue ver o perigo e calcular o que fazer. Na velocidade não, é muito rápido.

CONTATO - Essa mudança aconteceu por causa do convite do André Azevedo em junho do ano passado?
Maykel
- Eu tinha participado como navegador de uma prova junto com a mulher do André, a Iara, e terminamos em segundo lugar. Quando teve o Rali dos Sertões, ela falou para o André que ia me levar de novo, que tinha gostado de correr comigo. Daí o André disse que ia fazer um teste comigo pensando no Rali Dakar. Fizemos uma prova em Pindamonhangaba, do Campeonato Paulista, e ganhamos. Na semana seguinte teve outra prova em Camburiú, Santa Catarina, dessa vez pelo Campeonato Brasileiro, e ganhamos também. Depois disso fui chamado para todas as provas que aconteceram no final do ano passado e também para o Dakar. Ao todo, das oito provas que disputamos, ganhamos cinco. Ficamos duas vezes em 2º lugar e, no Rali dos Sertões, o caminhão quebrou e deixamos a prova no quinto dia.

CONTATO - E a de sintonia entre vocês?
Maykel
- A sintonia estava bem estruturada. O André gostava do jeito que eu navegava. O que é importante na velocidade é a confiança. O convite para o Dakar surgiu no Rali dos Sertões, exatamente no dia que o caminhão quebrou depois de batermos numa árvore. Como o sonho de qualquer navegador é o Dakar, aceitei na hora.


“O sonho de qualquer navegador é o Dakar, aceitei na hora”


CONTATO - Como foi a preparação?
Maykel
- Foram cinco meses de preparação. O Dakar é uma prova em que a planilha é totalmente diferente da nossa: contamos com um GPS bloqueado que só tem a bússola. Então, lá [no rali] eles falam que você tem que andar no rumo 250 da bússola. Só que você não consegue andar só no 250 porque você precisa fazer desvios, por causa das dificuldades do deserto. Tive que treinar bastante para isso, eu ainda não tinha feito navegação com bússola. Condicionamento físico a gente faz alguns exercícios específicos para fortalecer a coluna e o pescoço porque são as parte do corpo que mais sofrem. E bastante musculação.

CONTATO - Quais as características do caminhão que vocês correm?
Maykel
- No Dakar, corremos com um caminhão Tatra, fabricado na República Tcheca. Ele tem um motor V12, 800 cavalos de potência e suspensão a ar independente. É um caminhão preparado para as condições do deserto.

CONTATO - Como foi enfrentar oito dias no Saara?
Maykel
- O deserto é complicado e traiçoeiro. As dunas são muito traiçoeiras. Ao mesmo tempo em que não tem nenhum perigo você cai numa duna ou em um buraco e o caminhão atola. Durante o dia o calor é de 40º graus e a noite a temperatura cai para 0º graus, -5º graus. As condições são totalmente adversas.

CONTATO - Quais foram os melhores e piores momentos no Dakar?
Maykel
- Os melhores momentos são as co-locações. Quando o dia valeu a pena e você atingiu um segundo lugar. O pior dia foi o da morte do motoqueiro australiano [Andy Calldecott] na 9ª etapa. Todo mundo sentiu muito. Todos os concorrentes estão sujeitos ao que aconteceu com ele.

CONTATO - Chegou pensar em desistir da prova?
Maykel
- Em vários momentos pensamos em desistir pelo fato do caminhão não estar em perfeitas condições e a gente ter que ficar brigando com o próprio equipamento.


“Em vários momentos pensamos em desistir”


CONTATO - Vocês largaram bem, enfrentaram problemas mecânicos no terceiro dia, mas seguiram até o final. Conte como foi isso.
Maykel
- O primeiro e o segundo dia estávamos em segundo lugar, 4 minutos do primeiro colocado, uma diferença muito pequena. No final do segundo dia tivemos uma quebra no câmbio e o caminhão ficou só com duas marchas: a quinta e a sexta. Por causa disso, começamos a perder muito tempo e cair de posição. Nos primeiros dias, terminávamos as etapas com apenas 2 minutos de diferença em relação ao primeiro colocado. No terceiro dia, viramos com 45 minutos, é muito diferença. Aí sentamos e resolvemos administrar a situação para chegar até o final.

CONTATO - Quando quebrou o câmbio vocês estavam onde?
Maykel
- No Marrocos. A pedra era muito grande, maior que o pneu. Batemos na pedra e o eixo entortou. Mas, ninguém se machucou.

CONTATO - Daí pra frente como foi?
Maykel
- Fomos mantendo uma velocidade média. Não podíamos desacelerar muito nem abusar muito. Conseguimos chegar no final [da etapa] e fomos ganhando colocações.

CONTATO - Como foi a recuperação?
Maykel
- Quando entramos no deserto a navegação era o mais importante. Entramos em sexto colocado no deserto com uma diferença de 8 horas em relação o primeiro colocado. Aí começou a corrida contra o tempo. Dependia de muita navegação e foi onde começamos surpreender. Logo no primeiro dia ganhamos uma posição. No sexto dia de deserto ganhamos mais uma posição e fomos para o 4º lugar. Terminamos o deserto a 15 minutos do 2º colocado. Ficamos praticamente 8 horas atrás dos líderes. Só que aí entramos na savana e enfrentamos o mesmo problema: não podíamos acelerar muito e eles abriram 5 horas de vantagem.

CONTATO - O que determinou a decisão de permanecer sem câmbio?
Maykel
- Conseguimos achar mais uma marcha no cambio, a terceira. Aí ficamos com a terceira, quinta e sexta marchas. Aí já dava para melhorar um pouco. E foi aí que tomamos a decisão de completar o rali.

CONTATO - Como foram os 16 dias de prova?
Maykel
- Os dois primeiros dias foram na Europa, eram provas menores, etapas especiais de 100 quilômetros. Depois foram três dias no Marrocos, muitos abandonos, muitos veículos quebrados, e onde nós também quebramos. Depois entramos no deserto [do Saara] onde passamos oito dias. Para finalizar foram três dias em savanas. Essa etapa é igual as do Brasil com bastante árvore. Parecidas com o Rali dos Sertões.

CONTATO - Como você classificaria o Dakar?
Maykel
- É a maior competição de rali do mundo, só os melhores de cada categoria participam. Todo mundo espera por essa prova. É a maior prova de rali do mundo, a mais difícil, a mais longa, com 9 mil quilômetros.

CONTATO - A imprensa consegue acompanhar toda corrida?
Maykel
- Consegue. A Globo mandou três repórteres com a gente. Eles ficavam o tempo inteiro com nós, pegavam imagens das motos, dos carros e caminhões e mandavam para o Brasil junto com as entrevistas que faziam com a gente. Eles nos entrevistavam todos os dias.


“[o Dakar] é a maior competição de rali do mundo, só os melhores de cada categoria participam”


CONTATO - Esses resultados te dão novas perspectivas?
Maykel -
Para o ano que vem nós já estamos vendo outro caminhão para correr. Vamos pegar um carro que terminou o Dakar em segundo lugar, mas muito próximo do primeiro, surpreendendo todo mundo. Estamos querendo correr com esse carro. Temos um ano inteiro para treinar, tem o Campeonato Brasileiro, o Rali dos Sertões.

CONTATO - Então a dobradinha deu certo?
Maykel -
Deu certo. No último final de semana disputamos uma prova em Pindamonhangaba, do Campeonato Paulista, e ganhamos. Foi a primeira de 2006 e já estreamos com vitória. Isso nos dá confiança para as próximas etapas. Depois, temos mais seis etapas do Campeonato Paulista. O Brasileiro, o Rali dos Sertões, dia 25 de julho, e depois o Rali da América Latina.

CONTATO - Para o próximo Dakar já tem alguma novidade?
Maykel -
Até agora não. A novidade, quem sabe, vai ser o novo caminhão modelo 2006, preparado para o rali e que conseguiu o segundo lugar no Dakar.


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