Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


O carnaval é uma das mais complexas manifestações das sociedades.
Presente de diferentes maneiras e quase todas as culturas, a festa que reponta ciclicamente tem se mostrado resistente e de tão difícil entendimento que poucos se aventuram a explicá-la.

Um dos mais provocativos debates em torno do ritual carnavalesco situa-se no esforço de cooptação que as instâncias de poder, em particular o Estado, fazem para se valer da festa como propaganda. O avesso disto, a resistência, prova que a diversidade da celebração é um dos segredos de sua persistência. Isto verificado pelo ângulo acadêmico gera um debate superior entre a evocação apolínea e a dionisíaca. Lembrando que o deus Apolo é o referencial da harmonia e da beleza e que Dionísio é o ícone da bagunça e da falta de graça, ficam polarizadas as expressões do carnaval como festa disciplinada, submetida a concursos e prêmios ou como manifestação irreverente, hilária, desclassificadora da ordem.
O Brasil se presta para a exemplificação de ambas tendências. De um lado, temos o carnaval oficial, consagrador dos arranjos da exposição combinada de enredo, samba, adereços, mas, na outra ponta temos o carnaval de rua, dos blocos irreverentes que provocam e zombam das maneiras “civilizadas” da grande festa que consta dos calendários turísticos.
É claro que mesmo o carnaval oficial guarda espaços de contestação e de crítica social, mas nada comparado com o que é genuinamente popular. Assim, enquanto nas avenidas o carnaval é mostrado para o mundo como expressão de organizações comunitárias que dimensionam o avanço de nosso país, nos bairros, os blocos se investem da mais pura brincadeira para zombar dos padrões elegidos como politicamente corretos. E estes blocos existem em todos os cantos do Brasil.
No Rio de Janeiro, vários deles tornam-se conhecidos e são capazes de arrastar multidões que extravasam suas queixas em marchinhas e slogans capazes de fazer rir uns e chorar outros. Neste ano, além dos tradicionais “Cordão do Bola Preta”, “Suvaco do Cristo”, “Banda de Ipanema”, um deles tem merecido atenção pelo teor hilário de suas campanhas: o “Simpatia é Quase Amor”. Eis alguns dizeres que serão divulgados no cortejo:


“A VIDA DE LULA É UM LITRO ABERTO”;
“GAROTINHO É MEU PASTOR, POR ISTO ESTOU PASTANDO”;
“A DIFERENÇA É QUE O POLÍTICO A GENTE ESCOLHE E O LADRÃO ESCOLHE A GENTE”;
“RIO DE JANEIRO: O MAR É AZUL, O JARDIM BOTÂNICO É VERDE, A GOVERNADORA É ROSINHA, O COMANDO É VERMELHO E A COISA ESTÁ PRETA”.

E assim a festa continua. Entre a pretensão de ser uma “ópera de rua” que disfarça a crítica social e a farra explícita que motiva o povo, o carnaval se mantém e, com certeza, persiste exatamente pela sua força irônica.
Entre a beleza e a bagunça nunca temos segurança se estamos rezando no altar de Apolo ou de Dionísio. Mas, com fervor, sabemos que os modernistas tinham razão ao declarar que “o carnaval é a festa da (nossa) raça”. É no carnaval que provamos o que somos seja na ordem ou na desordem.




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