Por Oscar Sachs Jr.

Algo de podre no Reino da Dinamarca (Shakespeare)
Sachs aprofunda sua crítica à compra, sem licitação, de 70.000 exemplares, pelo valor de R$ 1.575.000,00, prova como livro pirateou com e sem penduricalhos a obra da professora Maria Morgado de Abreu e critica aqueles que defendem a beleza da obra mas se esquecem de sua origem.

O mais atuante historiador de Taubaté, não por acaso o administrador que separou a história da cidade em antes e depois dele, caiu em gargalhadas quando leu o prefácio escrito pelo ilustre alcaide no famigerado livro sobre a história de Taubaté, “comprado” por um milhão, quinhentos mil e algumas quireras de reais: “Isso nunca foi escrito por ele!” (apud O Valeparaibano).
Realmente, nosso preclaro primeiro mandatário não é dotado de luzes intelectuais para tal empreendimento. Aí houve um ghost writer, um “escritor fantasma”, aqueles que vendem, às vezes honestamente, sua pena para a glória daqueles que estão por cima da onda. Juscelino teve seu ghost writer em Augusto Frederico Schmidt, de Jango diziam que era Darci Ribeiro, se você ler os discursos dos generais da ditadura certamente concluirá que foram muitos os que emprestaram seus conhecimentos, seu intelecto, sua pena para aqueles olvidáveis, que, na dúvida sobre como escrever sexta-feita (com esse ou com xis?), marcavam a reunião para segunda-feira.
Eu acabo de ler um livro fantástico sobre a II Guerra Mundial, escrito por Winston Churchill, que nunca precisou de ghost writer, foi até Nobel de Literatura. Confesso também que aprecio muito ler “A Guerra da Gália”, de Júlio César (e me deleito mais ainda com as histórias de Asterix, na aldeia irredutível), sem dúvida outro que não precisou que alguém escrevesse por ele. Mas aí estamos falando de vultos da história, pessoas de caráter, não de postes eleitos para serem outros iscariotes (aliás, o terceiro).
Mas ser ghost writer pode até ser uma ocupação legítima, rende aí alguns trocados para intelectuais sem arrimo, atende mandatários que não têm tempo, tão ocupados estão com o governo ou com as viagens no aerolula.
Agora, coisa feia, coisa degradante para nossa Taubaté, é o saqueio, o furto, o assalto, o botim feito com a obra da professora Maria Morgado de Abreu, de seus livros, resultados de pesquisas, de estudos, de muito trabalho, para dar recheio ao livro “comprado” pelo tal Departamento de Cultura (mas, afinal, o que eles compraram?)
Não só com a obra da professora, mas vejam que os painéis do Museu de História, feitos pelo artista prof. Ernani, com base em croquis do injustamente esquecido prof. Camilher Florençano, com textos da professora Morgado, aparecem ali inteiramente, sem qualquer indicação de autoria, sem qualquer referência, no mais reles desprezo com a obra artística e intelectual de terceiros.
Em meu artigo anterior, disse que tinha lido a famigerada edição do “Taubaté cidade educação, etc. etc.”, em diagonal, mas sentia claramente que os textos da professora D. Maria Morgado estavam ali, saltando aos olhos, sem créditos, sem referências, sem aspas, apenas aquele introdutório falando da “primeira-dama da historiografia taubateana”. Hoje, resta provada a apropriação indébita dos textos da querida professora. Para não cansar os leitores (são mais de 50 inserções copiadas, “chupinhadas”, surrupiadas, furtadas), vamos dar algumas aqui:

“Taubaté, de núcleo irradiador de bandeirismo” (Maria Morgado de Abreu) “Taubaté, Cidade Educação, Cultura e Ciência”, José Benedito Prado, Diretor DEC da PMT
Pág. 9 – Taubaté, tradicional cidade do leste paulista, desempenhou papel relevante na evolução histórica e econômica do país. Pág. 5 – A cidade desempenhou papel relevante na evolução histórica e econômica do país
   
Vejam agora a sutileza de pequenas modificações:
No ciclo do ouro, foi núcleo irradiador de bandeirismo e no 2º Império, durante o surto cafeeiro do Vale do Paraíba, destacou-se como o município de maior produção de café em zona paulista. No ciclo do ouro foi núcleo de partida do bandeirismo e no Segundo Império, no auge da produção cafeeira do Vale do Paraíba, foi destaque como o município de maior produção de café em zona paulista.
   
Mas aos poucos a desfaçatez da cópia, pura e simples, se impõe, naquilo que eu chamo de gilete-press, ou seja, a reprodução tal e qual, na cara dura. Vejam só:
Igrejas coloniais e antigos solares permanecem testemunhando outras eras ao lado de modernos edifícios. Igrejas coloniais e antigos solares permanecem testemunhando outras eras ao lado de modernos edifícios.


Há mais de cinqüenta inserções de textos da professora Maria Morgado na triste obra da Prefeitura, sem aspas, sem indicações, sem referências, sem créditos. Ao lado dessas, há outras, chupinhando outros autores que tiveram trabalho com seus textos, suas pesquisas, suas obras infamemente desrespeitadas. Todos esses plágios estão arrolados.
Infelizmente, ouço dizer que algumas pessoas aprovam a obra por ser “muito bonita”. Sem dúvida, é. As coleções de arte de Goebbels e Goering eram lindas, maravilhosas, fantásticas, mas... roubadas.

 

| home |

© Jornal Contato 2005