POR DENISE MORAES

Durante a semana em que esteve na Coréia do Norte fazendo uma série de reportagens, a jornalista Ana Paula Padrão teve o passaporte apreendido, andou cercada por "guias" e descobriu que pior do que a situação em que a população norte-coreana vive é a sua ignorância em relação a isso.

Ana Paula Padrão foi lá e fez. Mais uma vez. Três meses depois da estréia à frente do "SBT Brasil", a âncora deixou o estúdio e foi fazer o que mais gosta: reportagens especiais em área de risco. Nunca uma equipe brasileira de TV havia pisado naquele país. Nem a Globo. Apenas o jornalista Marcelo Abreu havia visitado o país e, ainda assim, como turista.
A idéia de furar a cortina de ferro norte coreana persegue a dupla Ana Paula e Mônica Gugliana (editora) muito antes do SBT. As duas sabiam que existia apenas uma data, ou melhor, um gancho, que tornaria a viagem possível: o "Aryrang", a data festiva mais importante do país, comemorada de três em três anos. Só nessa época o governo promove uma pequena flexibilização na concessão de vistos para poucos e bons jornalistas. Em 2005, esse gancho somou-se a outro, o aniversário de 60 anos do Partido dos Trabalhadores da Coréia, que dirige o país com mão de ferro.
A série de matérias apresentada pelo "SBT Brasil" entre os dias 24 e 31 de outubro começou a ser pensada em fevereiro deste ano. Assim que a pauta foi definida - e aprovada pela cúpula - as jornalistas Ana Paula e Mônica e o cinegrafista Edílson Rizzo tentaram obter o visto para a Coréia do Norte. A âncora do SBT acha que o processo foi "rápido" - oito meses para carimbar a entrada no país.
Uma vez lá, a equipe logo percebeu porque os "Jornalistas Sem Fronteiras" colocaram a Coréia do Norte no topo da lista dos países refratários à presença da imprensa. Em uma das poucas vezes que conseguiu estabelecer uma conversa com alguém que não fosse os quatro guias que a acompanhavam, ela conheceu uma jornalista de um periódico francês, que trabalhava em Pequim. Esta mulher também fazia reportagens sobre a Coréia do Norte. Tempo que ela esperou para conseguir o visto para o país: cinco anos.
"Eles só permitem a entrada de jornalistas no país em época de festa, como aconteceu conosco: a festa que cobrimos era a comemoração dos sessenta anos do Partido Trabalhador da Coréia, o PTC, que acontece no mesmo dia do Aryrang, uma festa tradicional da população coreana", explica a jornalista. Nessas circunstâncias, a cidade é "maquiada" para a recepção de turistas, em um cenário sob encomenda para impressionar os visitantes. E complemente: “Em Pyongyang (capital do país), a população não tem carro. Aliás, só os representantes do governo possuem automóveis. Então, para não deixar as ruas vazias e causar má-impressão, eles as enchem com esses carros circulando o dia todo, só para a gente ver".
A jornalista se surpreendeu ao ter seu passaporte e sua passagem de volta confiscados logo quando eles chegaram ao país, como foi mostrado na série exibida pelo "SBT Brasil". No entanto, atrás das câmeras, a situação era ainda mais tensa. "Eu reclamei quando prenderam meu passaporte... Na verdade, eu reclamei o tempo inteiro, porque a gente queria falar com alguém e não podia, queríamos visitar um supermercado, e não podia. Então, eu reclamava mesmo. Perguntava: "o que é que tem lá que a gente não pode ver?". O clima entre a equipe e os guias foi tenso o tempo todo", revela Ana Paula.
O auge dessa tensão se deu durante uma passagem que a jornalista gravava para uma matéria. Ana Paula estava em uma praça que havia sido destruída e novamente reconstruída segundo os padrões urbanísticos soviéticos. Ela explicava isso durante a gravação, até que os guias ouviram a palavra "soviético". "Todos os guias que nos acompanhavam falavam espanhol fluentemente, então entenderam quando eu falei a palavra "soviético" e ficaram possessos. Disseram que eu não tinha que sequer mencionar a União Soviética, que a arquitetura daquela praça não era soviética, e sim coreana. E quiseram que o cinegrafista entregasse a fita a eles", conta.
Neste momento, segundo a jornalista, "o pau quebrou". "Comecei a discutir rispidamente com eles. Informei que era cidadã brasileira e que eles não iam reter a fita, afinal, e isso eu deixei claro, eu não fui até lá para fazer propaganda do regime deles. E falei isso brava, botando o dedo no nariz do cara", diz. A solução encontrada pelos guias foi pedir que a passagem fosse apagada da fita. No entanto, duas passagens haviam sido gravadas; o cinegrafista Edílson apagou apenas uma. A outra é a que pôde ser vista no terceiro dia da série de reportagens.
Mesmo com toda a vigilância em cima da equipe, Ana Paula explicou que nenhum outro material foi censurado. "Bem que eles tentaram... Eles sugeriram que gostariam de ver o material, mas nós dissemos que não, que no Brasil a prática não era essa e fechamos a cara. Então, eles não insistiram mais", lembra.
Em meio a tantas reclamações, ela reconheceu o profissionalismo dos guias que acompanharam a equipe do SBT: "A gente quebrava o pau e, logo em seguida, eles estavam agindo normalmente, como se nada tivesse acontecido. Depois do episódio da praça, por exemplo, cinco minutos depois, eles estavam nos levando para almoçar, na maior naturalidade. E a gente com aquela tromba imensa, todo mundo louco da vida". Na opinião da jornalista, toda essa frieza provém da própria educação recebida pelos coreanos desde a mais tenra infância, quando eles são "treinados" a não demonstrar emoção. Nenhuma emoção. "Quando se está lá, você perde a noção do que é uma manifestação honesta, porque tudo o que a gente vê é treinamento"
Ana Paula ficou particularmente horrorizada com a apatia da população, que parece o tempo todo indiferente à situação de miséria e pressão em que vive. "Como lá não há informação e existe cerceamento a qualquer tipo de pensamento crítico, as pessoas não aprendem a pensar por si mesmas e se tornam apáticas. É assim que a gente vê como a informação é importante e a falta que ela faz", comenta.
No entanto, esse cenário tende a mudar rapidamente. O estado da Coréia do Norte está falido há tempos e o governo já tem tentado uma reaproximação com a Coréia do Sul, para uma reunificação das duas coréias, algo impensável uma década atrás. O fato é que Kim Jong Il, sucessor de Kim Il Sung, está, literalmente, vendo o povo coreano definhar e sabe que será necessário pedir ajuda para evitar que o país afunde. "Essa ameaça que a Coréia vive fazendo sobre os reatores nucleares, a meu ver, é mais uma forma de chantagem. É a forma que eles encontraram para pedir ajuda. Através de ameaças", diz Ana Paula.
Ela diz ter certeza de que essa abertura ocorrerá rapidamente e não vê a hora de voltar ao país quando houver um pouco mais de democracia, para comparar com as lembranças que teve de sua primeira viagem. "Essa é a grande vantagem do jornalismo: a gente vê a história acontecer", conta.

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