Por: Luiz Gonzaga Pinheiro - espesspei@uol.com.br

Felicidade

Sinto cócegas nos dedos, vontade de me confessar feliz, agora na ante-sala dos setenta anos.
Nunca me disse feliz. Quando muito, me declarei satisfeito. Mesmo assim, com cautelas, por medo de, na esquina seguinte, precisar mudar de credo e decisão. O certo é que me acreditava provisoriamente bem, satisfeito. Nunca pensei em viver um logo tempo em estado de satisfação.
Meu pai, quando perguntado, respondia que “por enquanto, vou bem”, usando a misteriosa cautela mineira, filha de uma mediterraneidade que, por falta de mar, expõe uma tristeza congênita e uma crença no jeito cauteloso do destino.
Resolvi ser feliz e me pelo de medo de me jogar no ridículo. Um amigo, que antes foi meu aluno, tinha toda segurança de se dizer descrente da felicidade: “Felicidade é minha utopia. Sei que não chego e nem a quero : se chegasse, como viveria sem utopia”, dizia ele, muito seguro de si.
Concordo que viver sem quimeras, grandes sonhos, mesmo uma utopia é reduzir o homem a nada. Tê-los é movê-los para o irrealizável, pelo menos como coisa duradoura.
Agora, neste momento de minha vidinha pequena e próxima dos setenta anos, voltam as cócegas para me dizer feliz, acreditando no capital que acumulei ao longo da constituição de biblioteca, discoteca onde só tocam os meus favoritos, uma modesta coleção de obras de arte, além de caminhadas que me avizinham do canto dos pássaros, cores e formas das flores das estradinhas sensuais que se torcem em meio à mata cheirosa e limpa, penso que me posso enganar de modo gentil, mesmo que me desminta, em seguida. Estou feliz, me digo sem receio, porque me livro do verbo ser, com quem teria de me dizer que sou feliz.
A tanto não vai meu otimismo que ri com dentição natural, discute idéias, vive paixões outonais, toma posição e se expõe, arriscando em publicações perigosas, por me desnudar a cada artigo.
Mário de Andrade me ajuda nesta empreitada, evitando os exageros de corpo e de espírito: “Não sonho sonhos vãos. A realidade mais esportiva de vencer me ensina esse jeito viril de ir afastando dos sonhos vesperais os impossíveis... de que a vida é nua, friorentamente nua”.
Não me importa que me contradiga, pois Deus(?) me livrou da praga da coerência.


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