Por: Pedro Venceslau

Crise com chopp:
oito personalidades analisam o cenário brasileiro

“A crise na mesa do bar”

 

Uma mesa de bar revela verdades escondidas. Parece ser o cenário ideal para conversas descomprometidas em que a opinião – até a mais ácida, quem sabe – não se deixa intimidar. A Revista IMPRENSA reuniu, em uma mesa de bar, nesta matéria que CONTATO reproduz parcialmente com exclusividade - Estela Ribeiro, apresentadora da TV Cultura, Gustavo Petta, presidente da UNE, Marcelo Bonfá, apresentador do programa “Outro Olhar”, Roberto Romano (Filósofo), Zé do Caixão (cineasta), Eduardo Suplicy (senador), José Ângelo Gaiarsa (psiquiatra) e Márcia Tiburi (programa Saia Justa, da GNT). Entre um chopp e outro, servimos um prato tão amado quanto refogado de jiló: a crise política. O resultado foi esta conversa. Este papo completo você encontra na próxima edição de IMPRENSA .

Pedro Venceslau: O Governo tem acusado a imprensa de estar promovendo um linchamento na cobertura da crise. Vocês acham que os jornalistas estão forçando a barra?

GUSTAVO PETTA: Estão dando mais espaço para as denúncias de hoje do que deram para denúncias passadas. Um exemplo: no governo Fernando Henrique, no episódio de compra de votos para a emenda da reeleição, ficou provado, com uma gravação, que houve um crime. Mas eles [Governo] conseguiram impedir uma CPI. No caso dessa crise de hoje, quem está fazendo a cobertura mais desproporcional é a revista Veja, que é um panfleto norte-americano escrito em português.

MARCELO BONFÁ: O fato é que o presidente só deu uma entrevista coletiva até hoje. Só recebeu jornalistas uma vez. Isso contribui...

ESTELA RIBEIRO: Recebeu a moça em Paris... aquela entrevista polêmica. E depois fez aquele pronunciamento...


Pedro Venceslau: Vocês acreditam que existe uma predisposição da imprensa para bater no Lula?

ROBERTO ROMANO: Nesse momento, não dá para brincar de Chapeuzinho Vermelho e Lobo Mau. A imprensa não é Chapeuzinho Vermelho e nem o Governo é Lobo Mau. A imprensa de esquerda não é diferente. Ela é mais intolerante do que boa parte da imprensa burguesa.

JOSÉ MOJICA MARINS [ZÉ DO CAIXÃO]: O povo só toma conhecimento do que está acontecendo lá fora através da imprensa. Mas sempre existem aqueles que ficam meio calados e os que batem mais forte. É uma questão de redação. Só não acredito que, hoje em dia, as revistas tomem posições de esquerda ou direita. É tudo uma questão de vendagem.

ESTELA: O que antigamente era divulgado em pílulas ou matérias em alguns telejornais e revistas, agora é televisionado integralmente. O bombardeio de denúncias, embora sem provas, que a gente assiste todas as tardes na CPI é infinito.

BONFÁ: O Gustavo falou da revista Veja. Só que no Brasil a população se informa por rádio e TV, e não por revista e jornal. A cobertura que está valendo é a cobertura por telejornais...

PETTA: Mas as revistas acabam ajudando a formação da opinião pública e pautando a própria TV.

EDUARDO SUPLICY: Quando o Pedro Collor de Melo deu aquela entrevista à Veja, em 1992, eu liguei para o José Dirceu – deputado federal – e disse: “vamos ouvir o Pedro”. Fomos até o hotel Maksoud Plaza [onde Pedro estava hospedado] e o ouvimos por cinco horas. Saímos de lá tão indignados que fomos para a minha casa juntos e escrevemos o requerimento para formar a CPI. Foi isso que deu origem à campanha por ética na política, à CPI e ao afastamento de Collor, em dezembro daquele ano.

JOSÉ ÂNGELO GAIARSA: Logo que eu vi o começo da crise na Veja, me deu vontade de escrever para eles algo assim: “Na sua próxima capa diga quem no Brasil é honesto” [risos]. Eu só acredito na honestidade de um brasileiro que teve oportunidade de ser desonesto e não foi. Porque a simples declaração de que eu sou honesto não prova nada.

ESTELA: Eu acho que o papel da imprensa, ao televisionar essas situações todas, é mostrar para as pessoas o que está acontecendo, e, a partir daí, elas terem um segundo para pensar e esperar que tudo isso precisa ser provado, antes de qualquer coisa.

MÁRCIA TIBURI: A imprensa não é consciente da sua condição de poder, e isso não permite que ela se trate como tal. Se a imprensa mostra qual é o seu jogo, ela deixa de ser um poder como dominação e se transforma justamente num poder de expressão.


MOJICA: Eu não tenho nada contra o Lula. Aliás, ele é fã dos meus trabalhos. Mas eu acho que ele foi infeliz numa coisa que está abalando praticamente o Brasil todo. Quando ele se orgulha em dizer que chegou à Presidência da República sem precisar passar por vereador e que não precisou de estudo, isso vai mexer com as crianças, que vão dizer: “Por que eu tenho que estudar?”.

Pedro Venceslau: A grande maioria do povão que acompanha a crise nos telejornais só guarda da matéria as palavras “crise”, “dinheiro”, “mensalão”, “Jefferson” e “mala”.

ROMANO: E cueca [risos].

BONFÁ: Você ainda acha que ele é a nossa cara?

GAIARSA: Eu não sei se é tão mau que ele seja a nossa cara. Eu acho ótimo.

BONFÁ: Ainda sobre a questão da cobertura... É fundamental no regime democrático a imprensa estar viva, forte. A cobertura do “Jornal Nacional”, por exemplo, mudou muito e hoje é a mais profissional.

Pedro Venceslau: Está mais independente?

BONFÁ: Ninguém é imparcial totalmente. Claro que as empresas têm o interesse delas.

ROMANO: Esse é o drama da Caros Amigos. Sempre tem carta de leitor dizendo: “Como vocês aceitam propaganda do Governo?”. E eles tentam justificar...

BONFÁ: Tem que sobreviver, né?

MÁRCIA: Isso é também uma corrupção. Eu gosto muito daquela frase: “A publicidade é a prostituição da ação”. Eu acho que é um contra-senso haver publicidade política como há no Brasil. É um absurdo. A publicidade é sempre enganadora e mentirosa.

MOJICA: Eu acho que no mundo todo política não é mercadoria. Aqui no Brasil é. Porque aqui sou eu que lido com uma série de empresários que procuram financiamento das minhas fitas. A primeira coisa que me perguntam é: ‘Você tem amizade com algum político?’. Se eu indicar fulano, cicrano, beltrano, eles vão comprar. Então, a política se torna uma mercadoria...

BONFÁ: Zé, você acha que hoje existe liberdade de imprensa?

MOJICA: Eu acho que não.

GAIARSA: Os malefícios do jornalismo. Como ele também guerreia para vender notícia, para chamar atenção, ele produz no público uma coisa que os místicos chamavam de dissipação de espírito. Ninguém se concentra nos problemas importantes do Brasil.

Pedro Venceslau: Vamos levantar outro ponto de debate. O Petta, recentemente, liderou uma passeata que ficou conhecida como “pró-Lula”. No dia seguinte, houve uma passeata contra o Lula. Eu fiz essa introdução para levantar o debate. Dá para comparar o Collorgate com esse caso de hoje.

BONFÁ: A diferença é que o Lula não convocou ninguém para ir às ruas defendê-lo...

Pedro Venceslau: Pois é, houve uma mobilização espontânea. Mas o que eu queria levantar é se dá para comparar o escândalo Collor com o de Lula. Você tem o Delúbio e o PC. A Karina Somaggio e o motorista Eriberto. Existem personagens muito parecidos.

PETTA: A imprensa procura sempre polarizar opiniões. Nossa mobilização teve como objetivo exigir a apuração dos casos de corrupção. Nós achamos que não adianta só cassar seis ou sete deputados.

BONFÁ: Não dá para comparar Collor e Lula. Eu acho que o Lula não ficou com nada para ele.

ROMANO: Esse governo cometeu uma série de erros estratégicos em relação à democracia. Não se trata de comparar com um governo como o do senhor colorido, de se comparar com o pior, mas de se comparar com aquilo que se pretendia. Se a gente for comparar com o pior, não dá para entender o choque.

BONFÁ: O Lula era um super-herói, né? As pessoas compraram a imagem, quando votaram nele, de super-herói. Eu não votei nele...

ROMANO: Eu votei.

BONFÁ: Quando grande parte da população votou nele, estava apostando em um governo mais democrático, popular, enfim, mais preocupado com o social.

MÁRCIA: O Lula não é nada disso que o Collor foi. Ele tem uma história bem mais bonita.

BONFÁ: E sabe por que a popularidade dele não cai? Porque ainda não chegou a merda nele.

SUPLICY: O presidente Lula é um patrimônio extraordinário do povo brasileiro. Mais do que isso, dos povos e dos países em desenvolvimento.

MÁRCIA: Existe uma lei, um respeito à figura dele. Nós não podemos nem sonhar com um impeachment neste momento.

PETTA: O próprio Congresso é também um alvo de questionamento muito grande.

BONFÁ: É uma instituição que não tem credibilidade julgando outra que não tem credibilidade...

BONFÁ: E vai ficar quem?

ROMANO: A dona Geane [risos].

Pedro Venceslau: Senador, o que o senhor tem a dizer sobre a crise no PT?

SUPLICY: Alguns tiveram que sair do partido, não por vontade própria - como a Heloísa Helena, e os deputados federais, Babá, Luciana e João Fontes, que foram expulsos porque não votaram a favor da Reforma da Previdência. Muitos outros estão pensando: será que vale a pena permanecer? No meu ponto de vista, sinto que entrei no PT como uma decisão de vida

PETTA: O que o senhor [senador] espera do PT neste momento?

SUPLICY: Que eles digam como as coisas aconteceram, por mais duras e graves que sejam as conseqüências. Para conseguirmos superar essa crise, precisamos colaborar para que a verdade venha toda à tona. O presidente deve se manifestar indo ao Congresso, dizendo o que sabe. Vocês acham que seria uma coisa impossível? Não seria recomendável na situação presente?

ROMANO: Se fosse ao Congresso, o presidente assumiria a função de Chefe de Estado e Chefe de Governo em sua plenitude.

MÁRCIA: Seria digno ele se expor em uma entrevista coletiva e enfrentar a dureza das perguntas. Obviamente não esperamos nenhuma pergunta deselegante ou não civilizada. Por isso, não vejo porque o medo do debate.

MOJICA: O mais importante é a transparência. Por mais que haja perguntas indelicadas, se ele se abrir, for sincero e disser o que sabe, vai ganhar o público e a mídia.

GAIARSA: As perguntas serão muito duras e difíceis, mas ele conseguiria responder. Ninguém saberia dizer, como ele, o que efetivamente aconteceu.

 



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