Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Nosso autor mostra e se (nos) diverte com a filosofia (popular?) que está por trás de tiradas antológicas e de letras de nossas músicas populares.

Há tempos li um artigo que me impressionou deveras, mas foi uma destas ocasiões em que não dava para guardar a referência. Estava em um consultório dentário e sequer ousei pedir cópia da revista que deve ter acabado no lixo sem nenhum cuidado maior. Ah! Se arrependimento matasse!... Pois bem, tratava-se de um comentário sobre os “resíduos de memória”, i.e., sobre o que fica no registro inconsciente e volta sempre à nossa cabeça. Os exemplos apelavam para musiquinhas que cantarolamos de quando em vez, aquelas que remetem aos acontecimentos que se encaixam nas letras das canções como se fossem trilhas sonoras. O mesmo ocorre com frases famosas ou com o falar popularesco. Aliás, sobre os “ditos” tenho histórias de pessoas que as colecionam e ficam como que rezando para que apareçam oportunidades para pontificar algo extraído da sabedoria geral. E convém levar a sério o caso, pois filósofos importantes como o Bertrand Russel registrou que “ditos populares são a piada de um e a sabedoria de todos” ou como se diz “Vox populi...”.
Existem casos engraçados, sem dúvida. Lembro-me sempre do impagável Barão de Itararé que aperfeiçoando o dito “Dize-me com quem andas, dir-te-ei quem és” saiu com esta “diga-me com quem andas que te direi se vou também”. Outra saída do mesmo personagem apela para o conhecido “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão” e retruca com “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão e muitos outros benefícios: reputação, posição social, casa comida e roupa lavada além de amigos”. Dele também é a famosa “quem inventou o trabalho não tinha o que fazer”. De toda forma, o bom humor faz parte deste tipo de discurso engenhoso. E sempre são propostas lógicas, inteligentes e engraçadas. O desafio ao bom senso é um dos segredos destes discursos que, invariavelmente, apelam para o politicamente (in)correto.
Sempre na base do risível, alguns temas acabam por explorar determinadas situações que servem como justificativa para tudo. Recentemente, li uma frase que me chamou a atenção pela picardia “nunca fiz amigos bebendo leite”. Talvez o álcool seja o mais comum dos vícios celebrados por frases e canções populares. Quem não se lembra, por exemplo, do “eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe está morrendo”? Outra vez a questão da bebida se desdobra da matriz romana que rezava “in vino, veritas” que produziu o delicioso desdobramento “como Deus quer a verdade e a verdade está no vinho, vivo bebendo e sou abençoado”. Entre nós, creio que o auge deste tipo de discurso se deu em 1991, no carnaval carioca quando o GRES União da Ilha cantou “De bar em bar, Didi um poeta”. Vejamos: “Hoje eu vou tomar um porre, não me socorre que eu tô feliz/Nessa eu vou de bar em bar beber a vida que eu sempre quis/E no bar da ilusão eu chego, é pura paixão que eu bebo/Amor me deseja, me dá um chamego, me beija e faz um cafuné/Bebo vem e bebo vai que nem maré, balança mas não cai, boêmio é/Garçom, garçom, bota uma cerveja bem gelada aqui na mesa/ Que bom, que bom, minha alegria deu um porre na tristeza/ Poeta enredo da canção, cartilha que aprendi/ Canta a Ilha a emoção , saudade de você Didi/ Amor, amor, eu vou é nessa aqui que eu vou/ O sol vai renascer do meu astral!/ Amor, amor, eu vou ô esquindô, esquindô/ Num gole eu faço um Carnaval!”. É! Sabemos que é errado, mas não é também irresistível?
Mas leitor, permita-me perguntar: quais as musiquinhas ou as frases que têm freqüentado seu imaginário recente? Não precisa responder, mas pense no porquê.

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