Por: Luiz Gonzaga Pinheiro - espesspei@uol.com.br

Resíduo

“De tudo fica um pouco, não muito”, receita Carlos Drummond de Andra-de. Segue o poeta: “E de tudo fica um pouco. Oh abre os vidros de loção/ e abafa/ o insuportável mau cheiro da memória”.
O poeta não conheceu o Festival de Inverno de Campos do Jordão. Tives-se conhecido, teria feito novos ver-sos, lamentando que de Campos do Jordão não ficasse nada que não fosse comercial, financeiro, nada restando, além disso.
O jordanense não participa do e-vento paulistano que ocorre todo ano naquela cidade. Não freqüenta os concertos caros e os baratos, tam-bém não indo aos eventos que nada cobram.
Por que? Este festival que estamos vendo e ouvindo diariamente não conta com ninguém de Campos por-que sua estrutura é de espetáculos e de ensino para os iniciados que mos-trem maior nível de conhecimento, sendo, nesse caso premiados com bolsas. Em Campos ninguém mostrou ter condições de se candidatar a uma bolsa, porque os festivais não deixam resíduo na cidade.
O festival, que meus leitores, se os tenho, agora vêem completar sua 36a jornada, não deixou sobrar “um pou-co” ou mesmo “muito pouco” do que vem acontecendo no mais alto nível. Em Campos não fica nada, o que justifica a ausência de seus morado-res nos concertos de todos os dias.
Nada fica porque Campos que recebe o festival, não fica com nada, a não ser os parcos caraminguás que seus hotéis e restaurantes amealham na temporada. Mas não vê crescer sua cultura, não enriquece sua Edu-cação. O festival é como um bonito astro que passa sobre a cidade, não deixando um conjunto-coral de vozes locais, não instiga à formação de um violinista, não sorri pela voz de um clarinete, não sonha pela voz pratea-da de uma flauta, não chora pelos gemidos de um bandolim. Campos é muda, silenciosa, porque o festival vai-se todo ano, não fica nada, nem muito de lembrança exibida no sopro do oboé, a voz do amor, nem nos conselhos graves e sérios dos cellos que por lá passam, enchendo de lágrimas sentenciosas as salas onde tocam.
Por que o festival não permanece na cidade, usando seus equipamen-tos por todo o ano? O festival é feito para paulistano. Poderia ser realizado em Pinheiros, São Paulo, onde está a platéia.
Em Campos, o Estado e sua prefei-tura não se movem na direção da formação de platéias porque não ensinam seu povo a amar a música, ter com ela uma doce relação de dependência, esse estado em que o homem se vê sem nada, quando fica sem música, preferindo a fome à ausência de música. Em Campos, ela ainda não faz falta a seus jovens, porque não ensinaram a eles fazer amor com ela, a música.

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