Por Jorge Fernandes



Quilombolas lutam pelo direito de pernmanecer em Caçandoca

A comunidade de 44 famílias do Quilombo da Caçandoca, localizada em uma área paradisíaca ao sul de Ubatuba, está no olho do furacão. O imbróglio arrasta-se há oito anos, quando a Urbanizadora Continental entrou na justiça reivindicando a propriedade de 240 hectares do quilombo. Ao todo, a comunidade da Caçandoca situa-se em uma área de 900 hectares. Muita água rolou desde então. O Ministério Público Federal entrou de sola e paralisou a liminar. A questão, conseqüentemente, chegou à alçada do Supremo Tribunal Federal (STF). Lá, os magistrados decidiram que o assunto é responsabilidade da justiça estadual.
O Instituo de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) reconheceu, por meio do Relatório Técnico Científico (RTC), a comunidade da Caçandoca como remanescente de quilombo. Esse reconhecimento possibilita ao governo estadual executar políticas voltadas à assistência técnica da comunidade. Entretanto, o terreno da Caçandoca ainda não foi titulado, segundo a assessoria de imprensa do ITESP. Ou seja, a justiça ainda não decidiu se a terra é devoluta (pública), ou privada.
Mesmo com a revalidação da liminar de 1998, concedida à Urbanizadora, o ITESP solicitou ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) estudo para que os quilombolas não sejam expulsos. O ITESP baseia-se no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O artigo reconhece os remanescentes de comunidades oriundas de quilombos como proprietários definitivos, desde que estejam ocupando suas terras.
Em 31 de maio, foi publicado na imprensa oficial do estado de São Paulo o reconhecimento da comunidade de Quilombo Caçandoca como “território quilombola de Caçandoca”. Com o relatório, segundo Lincoln Albuquerque, funcionário do ITESP, foi dado o primeiro passo para a regulamentação do quilombo. A Urbanizadora tem um prazo de 90 dias “para apresentação de recursos contra a conclusão do relatório”.

Ativista
A universitária Solange Cristina Barbosa é bolsista do programa Educafro (Educação para afro-descendentes e carentes). Para obter a bolsa de estudo, Solange teve que escolher uma entre cinco ações de cidadania do governo estadual. Optou pelo Quilombo da Caçandoca. Foi amor à primeira vista. “A gente que é negro quase nada sabe sobre a nossa verdadeira história e esse convívio com os quilombolas proporciona uma sensação apaixonante e ao mesmo tempo estranha. É uma história ligada à escravidão”, afirma.
Os quilombolas “sentem o preconceito na pele mesmo. A Urbanizadora faz de tudo para impedir melhorias à comunidade. Até criação de gados eles [Urbanizadora] estão fazendo justamente para dificultar a agricultura”, conta Solange. Outro desafio é a educação. A Escola do Quilombo encontra-se fechada desde a administração anterior. “As crianças andam, por dia, 3 km para pegar uma condução, ir à escola e, apesar desse sofrimento, freqüentar as aulas”. Solange conta que um assessor da área de Educação da Prefeitura de Ubatuba chegou a oferecer a chave da escola aos moradores “para que o prédio escolar servisse de moradia”.
Procurado, o assessor desmente esta informação. “Nessa reunião, o foco da discussão era outro: a reintegração de posse”. De acordo com a Secretaria de Educação de Ubatuba, a própria comunidade está dividida sobre a questão escolar. A Secretaria afirma que alguns moradores consideram positiva que os cerca de 30 alunos freqüentem as Escolas Virginia e Áurea Rachou. Desse modo, segundo a Secretaria, os alunos têm contato com outros estudantes.
Solange não esconde seu amor pelas origens. Segundo a universitária, os anos de 1970 foram marcados pela expulsão dos quilombolas em todo o Brasil. “Jagunços invadiram as comunidades de quilombos e expulsaram os moradores. Anos mais tarde, por volta de 1985, os quilombolas começaram a voltar”. A trajetória do senhor Antônio dos Santos, presidente da Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo da Caçandoca, é um exemplo. “Ele foi expulso, mas mesmo assim não desanimou e ajudou a fundar a Associação”.


Comunidade reunida

 

Outro Lado
Wilson Zunckeller é o advogado contratado pela Urbaniazadora Continental. Por telefone, afirmou categoricamente que a empresa possui todos os documentos que comprovam ser proprietária legítima da área em disputa. “Não houve a reintegração de posse [ação devia ser cumprida no último dia 24 de maio] devido às forças ocultas. Alguém não quer cumprir a determinação judicial”, completou. Sobre o relatório emitido pelo INCRA, o advogado disse não ter conhecimento.

História

• Em 1858, o português José Antunes de Sá compra a Fazenda Caçandoca;
• Em 1881, a fazenda é divida pelos herdeiros do proprietário de Sá;
• Em seguida, alguns ex-escravos, na condição de posseiros, permanecem nas terras da Fazenda Caçandoca;
• A principal fonte de renda após o declínio cafezal é a venda de banana e mandioca, principalmente nos anos de 1970;
• Em 1974, com a construção do trecho BR 101 que passa por Ubatuba, famílias são expulsas;
• No mesmo ano, a Urbanizadora Continental adquire parte da região do Pulso e da Caçandoca então ocupada pela comunidade quilombola;
• Em 1985, as famílias quilombolas retornam à região da Caçandoca;
• Em 1997, as famílias ocupam uma área reivindicada por eles e que, supostamente, pertence à Continental que entra com uma ação de reintegração de posse;
• Em 1998, a Continental ganha uma liminar que obriga os quilombolas a abandonarem as terras. Os quilombolas fundam a Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo da Caçandoca;
• Em maio de 2001, realizam uma segunda ocupação com cerca de 30 famílias com apoio do Ministério Público Federal.
 


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