Espelhos (clique)


Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Meu caro anônimo, sua mensagem colocou uma lua em minha noite solitária e escura. Sempre reclamo que poucos leitores de Taubaté escrevem para os colunistas e, sem eco, fico mesmo sem saber qual o meu chão, o som e cor do que digo. E de repente chega sua cartinha pedindo conselhos. Quem sou eu para dizer a um jovem poeta o que ler para se iniciar como escritor? Eu? Ninguém... Mas não vou fugir à tentação. Antes evoco os versos de Julio Dantas que mais que outros soube dar a receita que me pede:

“ande a imaginação por onde ande
seja claro e simples, pelo menos
pois a única maneira de ser grande
é fazer-se entender pelos pequenos”

é isto meu menino. Se tem apenas 13 anos, mas já ostenta obstinação, devo completar a sugestão com dois avisos: leia e escreva. Leia principalmente os clássicos. Temos uma literatura maravilhosa e nela privilegie Machado de Assis. O “machadão” é capaz de pôr abaixo a floresta do mau uso da língua, das frases quilométricas tão comuns entre os jovens iniciantes que abusam dos verbos, da carência de imaginação e das dificuldades na construção de argumentos. Machado mostra como construir mistérios, enigmas, de que maneira podemos deixar o leitor em suspenso, tudo, com clareza e simpatia.

Mas não basta ler. Não. É preciso escrever. Para muitos, escrever é como respirar e se me permite dizer, o dia em que não escrevo sinto que morri um pouco mais. E, de início, escreva tudo, enfrente todos os gêneros até achar qual é mais a sua imagem e semelhança. Seja criador de sua criatura. Invente. Solte as amarras e dê mar à imaginação. Coloque em letras tudo que sonhar. Se não for dado a diários, mantenha um caderno com notas do que lhe ocorre e sempre suponha que a vida, como ela é ou como poderia ser, merece registro. Escreva em primeiro lugar para você mesmo. Depois sinta que seu público se constituirá.

Você fala de poesia, da paixão por Fernando Pessoa, muito bem, mas considere também Manoel Bandeira. E Carlos Drummond de Andrade. E Cecília Meireles. São mais próximos, brasileiros, escrevem de um jeito mais nosso. Leia muita crônica e não se esqueça de Rubem Braga. Os contistas do Vale do Paraíba são incríveis e entre outros valorize Waldomiro Silveira. Tenha sempre um dicionário à mão e garanta que seu uso equivale a perfume.

É preciso planejar. Não escreva nada, nunca, sem um plano. O mapa narrativo ajudará a supor rotas, evitar acidentes e principalmente se perder por falta de rumo. Se for possível, guarde por algum tempo o resultado de suas aventuras e antes de dar à alguém, leia. Mude quantas vezes for necessário, mas aprenda o significado de pontos finais.

Monteiro Lobato dizia – em “Memórias da Emília” – que o difícil é começar e é mesmo. Mas veja como Machado de Assis, frente a falta de idéia de um princípio fez no seu conto mais perfeito. Prólogo da agulha e da linha:
"Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
—Deixe-me,senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros”

E veja meu caro jovem como com um simples “era uma vez”, estava aberta a estrada do problema que coloca o leitor como uma espécie de detetive que tem que deslindar a lógica de um diálogo conflituoso.

É esta a minha “quase receita”. Se der, responda. Quem sabe você será capaz de mostrar os seus escritos e neles revelar seu nome?


| home |

© Jornal Contato 2005