Contato com Londres

A volta de Ilham Al Madfai e sua fusion music
Por Sayuri Carbonnier

O cantor iraquiano Ilham Al Madfai

 

Nossa correspondente em Londres fala com exclusividade sobre o cantor iraquiano Ilham Al Madfai, o beatle de Bagdá, que consegue aglutinar iraquianos de todas crenças religiosas e de todos os partidos políticos para ouvir sua fusion music.
“Tão atraente quanto Buena Vista Social Club”, Independent, London..

O teatro Lyric no centro de Londres abrigou, na segunda-feira, 16, mais de 700 iraquianos, num clima parecido ao de uma zona ocupada. O Lyric ficou por uma noite sendo a Embaixada do Iraque... para celebrar o legendário cantor Ilham Al Madfai que vem acontecendo no mundo desde os anos 1960.
Este Beatle de Bagdá, expulso do seu país natal, reapareceu em Londres com sua nova banda liderada por seu violão, cítara, flauta, nai e uma poderosa percussão produzindo um som hipnotizante com ritmos para dancar. O repertório, na maioria de sua autoria, trazia relatos da grande história cultural do país hoje totalmente caótico, ocupado por tropas norte-americanas e da ONU.
Entre arranjos tecno-modernos, um misto de flamenco e maracatu havia uma música que revelava grande melancolia. Falava de frutas - uma romã e um limão descascado. A romã era o império otomano que dominou Iraque até o fim da Primeira Guerra mundial. Mas, depois, a romã foi salva por um limão: o Império Britânico.
Terminava dizendo que o Iraque está acostumado com estas coisas mas que tivéssemos a consciência da tragédia inominável de hoje. Havia algo que lembrava os anos 1970 - tempos de exilados politicos latino-americanos na Europa. Mas Al Madfai não traz canções de protesto do tipo de Victor Jara ,Violeta Parra ou Geraldo Vandré. A diferenca é que naquele tempo havia uma esperança de justiça, de que o diabo iria para casa, metendo a viola no saco. Mas a situacao hoje é diferente.

O produto musical de Al-Madfai mostra que fusion music é globalizante, tem raizes comuns no folclore com os judeus mas a solução para uma paz duradoura está cada vez mais distante - havia algo incompreensivel na platéia, algo contido, como um nó na garganta, como um vôo de passarinho na gaiola.
Para terminar, ele cantou Mawtini - o hino nacional de um país geograficamente
fragmentado e mesmo assim uma nação de dignidade imbativel. Mawtini - Minha Terra - fala sobre a saudade de se retornar ao inicio dos tempos, dos tempos antes da Biblia. A música está sendo adotada pelos iraquianos dentro e fora do país como seu novo hino. O Iraque de hoje é uma nação sem fronteiras como não tem fronteiras a alma desse país porque cada um de seus filhos dentro e fora, contra ou a favor do Sadam ou da invasão, curdos ou não, traz dentro deles o mapa de seu país. Fiquei imaginando qual seria a música para ingleses em Bagdá: estariam chorando e ouvindo os Beatles? Ou Jagger?
Se fosse uma banda brasileira, em qualquer clube londrino, se liga imediatamente ao público formado na sua maioria por brasileiros ou ingleses aficcionados e que no fim acaba prevalecendo um clima de show musical e o pessoal vai para casa de alma lavada!
Não foi o que aconteceu com o show do Ilham Al Madfai. Pode ser que daqui a vinte anos, repetindo Berthold Brecht, o mesmo possa ocorrer em Taubaté, ou qualquer cidade da América do Sul.

PS: Quem quiser conferir www.ILHAMALMADFAI.com