O Mago é como o escritor Paulo Coelho é tratado nos quatro cantos do mundo. Com quase 70 milhões de cópias já vendidas, esse fenômeno literário, venerado por seus leitores e esnobado pela academia, encontrou um obstáculo que poderá lhe dar uma enorme dor de cabeça.
A pedra no seu caminho chama-se Eduardo dos Santos Alves, um jovem mineiro de 27 anos, mordomo de Paulo Coelho até fevereiro de 2005, que entrou com duas ações contra o escritor: uma por ter encontrado as portas fechadas com novas fechaduras em pleno inverno europeu e outra por ter desaparecido com seus poucos pertencentes, o que pode ser tipificado como roubo.
CONTATO localizou esse mineiro em São José dos Campos para conferir a estranha história. A bondade e a generosidade pregada em suas obras não passariam de jogo de cena do escritor? Ou a denúncia é que não passaria de um jogo de marketing de um jovem em busca desesperada por 15 minutos de fama?
Acompanhe passo a passo mais um furo jornalístico do Jornal CONTATO.
Eduardo dos Santos Alves exibe cópia do Procès Verbal feito contra Paulo Coelho

 

::O Processo
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O mordomo (mais uma vez) é o culpado

Pode parecer exagero, mas a história contada pelo ex-mordomo de Paulo Coelho, confirmada integralmente até agora, leva para uma (velha) conclusão: o mordomo é sempre o culpado.
Tudo começou com um telefonema. Na outra ponta da linha, uma voz jovem contava que havia sido mordomo do escritor, em Paris, França. Inconformado com a demissão, o ex-mordomo dizia possuir documentos que poderiam incriminar a respeitada e venerada figura de um guru que tem seguidores em todo o mundo.
Respeitadíssimo internacionalmente, sinônimo de bondade, compaixão e do amor, o escritor Paulo Coelho também teria outras facetas menos nobres. Pelo menos é o que afirma Eduardo dos Santos Alves, mordomo do escritor, em Paris, até fevereiro de 2005. Ao retornar de uma viagem de férias ao Brasil, Alves, conforme suas próprias palavras, não conseguiu mais entrar no apartamento do escritor, no sofisticado bairro de Trocadero, na capital parisiense. As fechaduras haviam sido trocadas e o mineiro, que também trabalhava na cantina da embaixada brasileira na França, viu-se no olho da rua em pleno inverno europeu. Ali começava seu inferno astral.
Na França, essa atitude pode ser classificada como crime porque o frio intenso pode provocar a morte. Paulo Coelho, o Mago, viu-se, de repente, acusado de dois crimes: ter deixado sem teto um cidadão e ter desaparecido com seus pertences que se encontravam nas dependências de empregados no apartamento. Acusações que podem soar como absurdas para os padrões brasileiros de justiça. Não é o caso da França.


A vítima

O mordomo
Alves é um aventureiro internacional. Sua trajetória tem passagens muito parecidas com a dos personagens da novela América, levada ao ar no horário nobre da TV Globo. A diferença é que Alves não teve de passar pelo sufoco da fronteira mexicana. Bons tempos aquele em que o atentado de 11 de setembro de 2001 ainda não passava de obra de ficção.
Sua primeira estadia nos Estados Unidos foi entre 1995 e 1998. Conseguiu trabalhar legalmente na loja Sachs da 5ª. Avenida, na sessão de perfumes da Christian Dior. Em fevereiro de 2002, não conseguiu renovar seu contrato com a Sachs depois de retornar de uma viagem de férias. O atentado no ano anterior mudara a rotina norte-americana.
Decidido a não voltar a residir no Brasil, Alves segue para Paris em 1º de março de 2002. Um amigo, o maranhense Rogério Soares Silva, o convidou para fazer alguns bicos na feijoada que servia toda semana na embaixada do Brasil, em Paris, então dirigida pelo embaixador Marcos Azambuja. A cantina, que serve algumas receitas da exótica comida brasileira, fica dentro da própria embaixada.
Naquele momento, segundo Alves, o titular permitiu que a cantina fosse frequentada por pessoas não vinculadas à embaixada nacional. Aos poucos, a demanda aumentou e os bicos de Alves se transformaram em um trabalho regular, mesmo sem os documentos exigidos pelas autoridades francesas.

O emprego
Rizoletta Górdula é funcionária da embaixada responsável pela suas atividades culturais. Paulo Coelho é uma das inúmeras personalidades ligadas à cultura que por lá circulam. Foi assim que ela ficou sabendo que Cristina Oiticica, esposa do escritor, procurava por um empregado para atender o grande número de amigos e autoridades que frequentavam o belo apartamento localizado em Trocadero, uma das regiões mais nobres de Paris.
O casal Coelho, apesar de magnifica residência que possui em San Martin, no sul da França, nunca dispensou o conforto do apartamento. Segundo Alves, todo fim de semana ou no máximo de 15 em 15 dias o casal ocupa o apartamento. Diante da intensa vida social, um mordomo seria a solução.
Eduardo dos Santos Alves preenchia todas as qualidades: brasileiro, educado, viajado e muito jovem, com apenas 25 anos de idade. Logo começa a trabalhar no apartamento de Paulo Coelho. Devidamente apresentado por Górdula, amiga de Cristina, o mordomo passou a acumular as duas tarefas. O trabalho na embaixada brasileira servia como um aval para o novo emprego. Fechado o negócio, Alves mudou-se para o apartamento de empregados. Todos os dias, por volta das 14h, o garçon deixava seu trabalho na embaixada e assumia o papel de mordomo no apartamento onde passou a residir.
Sua atividade era servir as recepções freqüentemente oferecidas à imprensa, amigos e muitos artistas brasileiros. “Paulo recebe muita gente influente em Paris”, conta Alves.

Demissão sumária

O clima de festa que parecia não ter fim desabou em fevereiro de 2005. No final de 2004, Alves conta que viajou de férias para o Brasil. Até então, afirma, nunca teria havido qualquer desentendimento entre ele e seus patrões. Porém, quando retornou de viagem não mais conseguiu entrar no apartamento. Todas as fechaduras haviam sido trocadas.
Alves nunca conseguiu entender as razões de Coelho e sua esposa. Reconhece que houve um único problema que considera irrelevante. Sua viagem de volta deveria ter ocorrido no dia 29 de janeiro. Porém, a alta temporada de verão no Brasil, o carnaval e a baixa cotação do dólar teriam impedido que conseguisse um vôo dentro do prazo combinado. Desembarcou em Paris só no dia 10 de fevereiro.
O ex-mordomo afirma que telefonou para dona Rizoletta e pediu que avisasse sua patroa. Pouco adiantou. No dia 10 de fevereiro encontrou as portas com fechaduras trocadas. Imediatamente, teria ligado para seus patrões que se encontravam na residência de San Martin. Eis como o ex-mordomo detalha sua versão:
“[Dona Cristina] me disse que infelizmente não precisava mais do meu serviço, que já tinha contratado outra pessoa para fazer outros serviços e que todas as minhas coisas estariam na cave do prédio. No Brasil, a gente chama de depósito. Então, eu disse que ela não poderia fazer aquilo, pois não tinha lugar para dormir e ficaria na rua. Paulo Coelho pegou o telefone e disse que não poderia fazer mais nada e que no dia seguinte eu deveria pegar meus pertences. Então, fui procurar a polícia para ver o que poderia ser feito. Eu não poderia dormir na rua, já eram quase duas horas da manhã. A polícia me abrigou por três dias. Depois disso, [...] um amigo foi ao prédio pegar minhas coisas onde ela disse que tinha deixado. Mas, minhas coisas não estariam mais lá porque ela afirmou [para o pessoal do prédio] que não me conhecia e nunca tinha me visto. (...) Ela falou isso, justamente, para não ter nenhum problema com a Justiça. Eu trabalhava ilegalmente para eles. Procurei meus advogados e consegui provar com cheques recebidos em pagamento, bilhetes deixados para mim e declarações de pessoas que visitavam o apartamento que eu trabalhava para eles. (...) Tenho conta bancária na França. Registrei queixa com toda a documentação”

Toda essa movimentação só foi possível graças a advogada Claudine Fromentin, de um escritório que aceitou defender a causa. CONTATO ligou para Fromentin que confirmou ter assumido o caso, mas que não podia dar qualquer informação sobre seus clientes, seja por telefone ou por e-mail.
Segundo Alves, a advogada lhe informou que Paulo Coelho teria de pagar uma indenização porque, na França, é crime deixar uma pessoa na rua em pleno inverno, sem ter dado qualquer aviso. Lá “existe uma lei que obriga você dar um aviso prévio de 30 ou 60 dias para a pessoa se retirar. Isso sendo em locação ou trabalho. (...) Ele [Paulo Coelho] teria de pagar um hotel ou mesmo não retirar minhas coisas do quarto porque isso [lá] é considerado furto.”
CONTATO teve acesso a queixa (Proces Verbal) registrada na Direction Generale de la Police Nationale com destino ao Parquet de Paris. O carimbo indica tratar-se da Prefecture de Police – Direction de la Police Urbaine de Proximate, nº 85, no dia 9 de março de 2005. (ver reprodução)

Embaixada

Outro problema apontado pelo ex-mordomo de Paulo Coelho diz respeito a embaixada brasileira em Paris. Alves considera ilegal a existência da cantina na representação diplomática. Porém, ele mesmo afirma que Sérgio Amaral, atual embaixador e ex-porta voz do governo FHC, frequenta a cantina e que Alves já lhe atendeu inúmeras vezes juntamente “com a ministra Maria Laura, vários diplomatas e pessoas importantes do Brasil.”

O acusado, Paulo Coelho

Paulo Coelho

Alves recorda que já foi leitor assíduo de Paulo Coelho. “Eu era seu fã. [Não entendo como que] um homem que diz ser um pessoa generosa, do perdão, teve uma atitude totalmente contrária [ao que escreve].”
Apesar da surpresa, o ex-mordomo afirma que não tem ódio, mas quer que a justiça seja feita. “Sei que no Brasil não existe Justiça, mas na França há. (...) E o fato de ser uma pessoa conhecida internacionalmente não vai interferi em nada”.
Perguntado se o perdoaria, Alves não vacilou: “Sim. Sem problema algum, mas ele deve pagar por aquilo que fez. Você não imagina o que eu passei.”

Procurado pela redação de CONTATO e da revista Imprensa, Paulo Coelho não retornou as ligações e os e-mails enviados.

 

Paulo Coelho: Rápida Biografia

• Nasce em 1947 na cidade do Rio de Janeiro.
• Nos anos 1960, conhece Raul Seixas, um parceiro em mais de 60 composições;
• Em 1973, é preso pela ditadura militar;
• Em 1982, edita seu primeiro livro “Arquivos do Inferno” e em 1985 “O Manual Prático do Vampirismo”;
• Percorre o caminho de Santiago em 1986;
• Em 1987, lança “O diário de um mago” e um ano depois “O Alquimista”;
• Outros livros: “Brida” (1990); “As Valkírias” (1992); “Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei” (1994); “O Monte Cinco” (1996); “Manual do Guerreiro da Luz” (1996); “Veronika Decide Morrer” (1998); “O Demônio e a Srta. Prym” (2000); “Histórias para Pais, Filhos e Netos” (2001);
• Em 2000, o governo francês concede a Paulo Coelho sua mais prestigiosa distinção, "Chevalier de L'Ordre National de la Legion d'Honneur";
• Em 2002, é eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL);
• Em 2005 , lança “O Zahir”.

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