Por: Luiz Gonzaga Pinheiro

Sexto Sentido

Ele não existiria, seria um jeito de ver, um olhar desconfiado, um passo perigoso que os sensatos não dão. Mas é inegável que esse sexto sentido, existindo ou não, teria tudo a ver com a intuição, essa sim uma verdadeira entidade, de caráter mais feminino. Foi a intuição quem instruiu o “sexto sentido” da mulher de um amigo e a remeteu para o bolso do paletó, onde estava uma nota fiscal de hotel.
O resto foi de um pragmatismo cruel e inapelável, levando o desprevenido a todas as labaredas do Inferno. Intuição e sexto sentido dos homens não indicaram um sinal vermelho para o desesperado dono do bolso e da notinha mortífera, mais letal que cicuta ou formicida. “Morreu” ali, embora tenha sido enterrado só cinco anos e uma cirrose depois. Um “sexto sentido”, digamos mais erudito, capta informações capazes de evitar catástrofes, antecipando eventos e danos reparáveis, se visto e provido de medidas aparentemente absurdas. Uma amiga de minha mais próxima estima costuma fazer previsões tidas como inaceitáveis, logo depois confirmadas: “Não é, mas está a caminho. Seis meses”, vaticina como quem não erra. E não tem errado em suas visões sobre os que, em breve, sairão do armário. Ela é fatal. Houve, como sabemos, noivos que abandonaram o altar, invadidos por uma superstição que merece melhor nome, em homenagem à outra forma mais razoável de premonição, outro departamento da intuição, quase sempre a serviços das mulheres.
Quem somos nós, sem tato, olho e ouvido, para nos compararmos com elas? A intuição, que é auxiliar desse sentido, nem sempre está a serviço do amor e, depois, da felicidade. É que há intuitivas que não “sacaram” o pilantra que se avizinhava de seu coração, levando-o de roldão, passando pelo altar, rumando casa adentro, ocupando camas e banheiros, algumas economias saídas de torturante dedicação ao trabalho, para servir ao amor.
Como dizem os espíritas, certas faculdades e privilégios não podem servir a causas próprias, sob pena de perdê-los, o que ensina na direção do uso do poder com a moderação e sabedoria que têm faltado aos afoitos, a quem tem cabido o castigo de comer cru. Sem ser um apaixonado pela cozinha japonesa, tem sido essa a refeição mais à minha mesa de pouca iguaria e nenhuma medida dionisíaca que acalme minha alma e refrigere meu corpo cansado de incorrigível trabalhador.